Que Sera, Sera

Entrar no cinema sem expectativa pode ser uma boa. Enquanto os últimos capítulos de Homem Aranha e Piratas do Caribe tumultuam metade das salas, Premonições estréia como aquele filme que faz pouco barulho na sala ao lado, e talvez por isso agrade. O título é ruim. Por conta dele, o filme corre o risco de ser encarado pelo público apenas como “outro com nome parecido”, já que o mercado está saturado deles: Premonição, A Premonição, O Dom da Premonição. Mas os três dias de abertura do longa em março nos EUA deixaram a Sony (uma das distribuidoras) contente. Ele ocupou o terceiro lugar nas bilheterias e presenteou Sandra Bullock com o fim de semana de estréia mais rentável de sua carreira.
Aqui, ele deu o azar de entrar em cartaz no furor de Peter Parker e Jack Sparrow. No filme, Bullock é Linda Hanson, dona-de-casa que fica viúva quando o marido (Julian McMahon) sofre um acidente. Na manhã seguinte ele está vivo e episódios incongruentes passam a se entremear, sem sabermos se são reais ou alucinações. Mesmo com perniciosas falhas de continuidade e alguns pequenos furos no roteiro, não nos perdemos na história. Mas, como o título, a idéia não é nada inovadora e traz os clichês costumeiros: a fé como resposta; a família como o bem maior; a sanidade da personagem que é questionada.
Situar o espectador no ponto de vista de Linda é boa idéia – embora a overdose de Sandra Bullock na tela seja tamanha que os coadjuvantes parecem existir apenas pra que ela não fale sozinha. Enxergamos tudo de acordo com sua percepção das coisas. Afinal, nada indica que suas alucinações não correspondem à realidade. A direção de arte é correta e junto com a fotografia simula um ambiente palpável como o do nosso mundo real. Mas a sensibilidade do diretor Mennan Yapo é o que faz a diferença. Optando, por exemplo, pelos planos fechados na primeira metade do filme, ele soube o que mostrar nas imagens enquanto construía a tensão. É graças à sua astúcia que entramos no jogo de uma história parecida com tantas outras e somos levados.
Premonições é o tipo de cria da indústria que não está preocupado em te oferecer nada além do puro entretenimento. Uma idéia americana com lugares comuns, ancorada por uma estrela que já não brilha tanto em Hollywood. Mais um filme comercial de porte médio entre um ou outro blockbuster megalomaníaco. Tais estereótipos são inegáveis, mas dentro deles esse suspense se sai melhor do que um genérico com “premonições”. É um filme bem feito.

O melhor comentário que ouvi sobre Scoop – O Grande Furo (Scoop, EUA/Inglaterra, 2006) foi “ele não acrescenta em nada a carreira de Woody Allen”. O diretor nova-iorquino tem um hábito distinto da maioria de seus colegas do cinema contemporâneo: ele é um cineasta que bate cartão. Ano a ano, sem falhar, Allen lança pelo menos um longa de sua autoria no mercado.
Quantidade não garante qualidade. O velho chavão se encaixa bem ao Allen dos últimos anos, capaz de variar do agradável em Melinda e Melinda (2005) ao admirável
Allen continua fora de seu cenário favorito, Nova York, embora o texto ainda faça menção à sua cidade natal e, como não poderia deixar de ser, à origem judia. Já à vontade depois de Match Point, em Scoop ele permanece em Londres na boa companhia de Scarlett Johansson e dá as caras em mais uma comédia. Se não faltam energia e personalidade ao filme de 2005, o novo longa se contenta com pouco. Sequer se aproxima da potência dramática de Match Point, o que não chega a ser um problema se assumirmos que o filme não está interessado nisso. Scoop é, por natureza, bem menos pretensioso.
Sondra Pransky (Johansson) é uma estudante de jornalismo americana de visita a Londres. Quando participa de um truque de desmaterialização durante o show do mágico Sidney Waterman (Allen), surge em sua frente o espírito de um importante repórter investigativo morto recentemente (Ian McShane), que lhe dá um grande furo jornalístico: o aristocrata Peter Lyman (Hugh Jackman) seria um perigoso serial killer. Para investigar pistas que confirmem a história, Sondra se envolve com Peter e acaba se apaixonando por ele.
A trama é banal em todo o seu desenrolar. Fica a sensação de já termos assistido aquilo antes, em algum lugar. Isso porque, apesar de saturado do humor, dos vícios e das neuroses de Allen – e, que fique claro, se tratando dele esses não são termos pejorativos – já vimos, sim, essa mesma história em inúmeros outros filmes. A farsa pontilhada por nuances teatrais é simples, em técnica e enredo, mas de um bom gosto que se confirma, por exemplo, na trilha sonora refinada com músicas de Strauss. Londres, charmosa por si só, é um ótimo cenário para o texto ágil e afiado que Allen compartilha com sua musa e compatriota Johansson, inspiradíssima, sem jamais perder o controle do timing cômico. E se Hugh Jackman não oferece muito em seu desempenho, a dupla de americanos vale o ingresso.
Saindo da sala de cinema, a conclusão é que o filme não fede nem cheira. Woody Allen ainda é saboroso, embora às vezes seja sem sal. O tempero de Allen é bom, mas Scoop ficou sem gosto.



Duas das maiores surpresas, para mim, foram o Labirinto do Fauno ter levado melhor fotografia (Guillermo Navarro) – que, eu acreditava, iria para o trabalho excelente (e reconhecido pelo sindicato) de Emanuel Lubezki em Filhos da Esperança, um filme tecnicamente complicado e repleto de planos sequência – mas, mesmo depois de aclamado por três prêmios técnicos, perder para o alemão A Vida dos Outros o Oscar de melhor filme em língua estrangeira. Happy Feet também surpreendeu, levando o prêmio de melhor longa de animação que parecia ser de Carros. Os pinguins dançarinos de George Miller são mesmo superiores aos automóveis de John Lasseter.

No Oscar verde, anti-poluição ambiental, anti-desperdício e, aparentemente, anti-republicano, Al Gore foi celebridade. Aplaudido com entusiasmo por Leonardo DiCaprio e pela platéia ao pisar no palco do Kodak Theatre, sorridente e confortável o suficiente para ouvir e fazer piadinhas, o ex-quase presidente foi estrela na 79ª edição do Oscar. Era certo que ele levaria para casa a estatueta pelo documentário de longa-metragem Uma Verdade Inconveniente. E, com tanta hospitalidade, também não era difícil imaginar que a canção do filme, “I Need to Wake Up”, de Melissa Etheridge, com sua mensagem moral passasse por cima das três concorrentes de Dreamgirls (esgoeladas por Jennifer Hudson, Beyoncé Knowless e Anika Noni Rose) e de “Our Town”, composição de Randy Newman para Carros. Oscar de melhor canção para um filme documentário? Enfim, era o documentário do Al Gore.







